Leia ouvindo: Good in Bed - Dua Lipa
Hoje vi que você reapareceu no meu Spotify. Você era um amontoado de números escutando Maglore e curiosamente cliquei, para ter certeza de que você era você, e notei que algumas playlists ainda estão ali. Algumas que eu te fiz e apaguei - mas ainda estão ali. Algumas que você me fez e eu fingi que nunca ouvi. Estranhamente, essas músicas repetem muito na minha cabeça, de vez em quando, quando estou em silêncio. Elas são o preenchimento perfeito da saudade estranha que eu sinto do seu colo nas manhãs chuvosas de terça-feira. Mas, quando essa sensação beata de nostalgia passa, eu me volto para a realidade e percebo que faz uns bons anos que não somos os mesmos. E por mais que as músicas, ainda, continuem tocando, o vazio é o melhor para nós dois desde o início.
Penso em você vez ou outra, quando não tenho mais nada para pensar. Ou seja, sei que estou bastante entediada quando lembro que você existe. Mas quando isso acontece, de repente, me pego tendo que catar pensamentos no ar para me ocupar e esquecer, novamente, que um dia a gente se conheceu. Não é como se eu me arrependesse de tudo - eu não me arrependo. Eu só murcho quando lembro que, quando eu for contar de você para minha neta, não chegarei em conclusão alguma. Talvez seu nome reapareça algum dia nesses futuros e então eu terei que contextualizar e, no fim, terminar a história com: "e aí foi isso". Hoje já lido melhor com esta possibilidade, o que não me impede de ficar meio decepcionada com a extrema confiança que dei a mim mesma de acreditar que aos 16 ia repetir tão bem a história da minha mãe. Mas eu não nasci pra isso - sou muito minha pra copiar vidas.
Digo que raramente penso em você. E é verdade. Hoje em dia, gasto muito mais tempo pensando em coisas pontuais e materiais do que em suas palavras. Mas quando ocorre, dói. E sempre dói muito gostoso. Dói como se fosse a dor de uma tarde de domingo, lá pras quatro e meia, quando o sol bate meio de lado pela janela e ilumina só metade do rosto de alguém. Dói exatamente como se eu estivesse dizendo adeus com a certeza de um retorno. Dói como olhar pras montanhas ou entrar no mar. E, de vez em quando, me bate um sentimento de revolta, como se eu não aceitasse que todo o amor gigante que senti serviu para você me deletar - literalmente - de sua vida. Além da minha falta de respeito, acho que tive demasiada esperança de reviver o carnaval uma mês por mês, para o resto da vida. Você não faz ideia do que estou falando.

A verdade é que a gente poderia ter dado certo se a gente quisesse. Nossa vontade de ficar junto sempre foi muito maior que os quinhentos empecilhos que apareciam no caminho. Mas, o que aconteceu, é que nenhum dos dois quis mais. E eu falo isso completamente limpa, meio conflitante, mas limpa: eu realmente não quero. Eu quero o que não existe mais, que é o passado. Quero os rituais, quero resgatar grande parte do que esqueci quando joguei aquele anel de coco - que usei sozinha por umas semanas - pela janela do ônibus. Com você, me senti adulta. Me senti perfeitamente livre. Mas sem você, eu sou adulta e sou perfeitamente livre. Talvez, a linha de chegada era, mesmo, a idade.
Mesmo exausta de perder tantas noites de sono com você - e ganhar inúmeras madrugadas de sonhos com você - levantei quando o primeiro suspiro veio ao ver seus números. Queria poder dizer o que eu quero, mas não sei - não sei se queria uma tarde num bar, se eu queria uma viagem pro Rio, ou se queria apenas segurar sua mão enquanto eu ando por essas ruas de SP. Eu queria poder ser mais simples do que sou, pelo meu próprio bem, mas até escrever sobre você é impossível depois que ganhei uns anos e umas manias a mais.
Seu nome ainda aparece na terapia mas sempre acompanhado de um virar-de-olhos bastante simbólico: eu tô tão cansada. Não me interprete mal, a culpa não é sua. Meu cansaço é de minha responsabilidade, eu deixei que essa história fosse mais longa do que realmente merece ser. Eu deixei você me beijar aquele dia, naquele show (ou eu te beijei? não sei, tava louca). Eu fiquei preocupada com você meses depois de a gente não se falar. Não sei o que acontece comigo que até The Great Gatsby parece ser uma biografia perfeita sobre sua vida - perdi a literatura por sua causa? Não, jamais iria te dar este prazer. E jamais ia te dar o prazer de conseguir ler essas palavras, deixar você saber que eu ainda penso, nem que seja tediosamente, nem que seja nostalgicamente, que ainda penso em você. Pois ainda penso. E vai demorar um pouco para eu deixar de pensar de vez.
Cada um tem um ponto fraco e eu não sei quando você virou o meu, nem quando deixou de ser. Nessa véspera de fazer 20 anos tenho refletido muito sobre as partes boas da minha adolescência - em breve eu viro a década e eu acho que cada dia mais me despeso do sentimentalismo ilusório que a vida carregava em si desde, sei lá, meus quatorze anos. Foram seis anos de muita intensidade. Seis anos de perfeita confusão e construção burocrática que, hoje, são bases complexas do que levo de ensinamentos. Hoje, eu faria tudo exatamente ao contrário do que eu fiz só para ter resultados diferentes. Mas, mesmo assim, gosto do que foi igual e do que poderia ter permanecido igual desde que a gente não se perdesse, cada um dentro do mesmo mundo, em formas diferentes de falar a mesma coisa.
Com isso tudo, e essa invenção esquisita de escrever sobre você (você?) no meio da madrugada me deixou fisicamente cansada e continuo, portanto, revirando os olhos para mim mesma, em tom de total desprezo pois você não vale estes parágrafos - e você sabe que não -, mas eu continuo me perguntando se eu mesma não mereço todo esta insônia. Afinal, se os fins justificam os meios, o seu distanciamento pode ser resultado de uma série de eventos que lhe fez, de repente, ficar de saco cheio da minha existência. A minha inexistência não foi o suficiente, então? Minha presença fantasmagórica, esporádica, conveniente, sempre, a você, não foi exatamente o que você esperava?
Não sei nem como encerrar esta carta tendo em vista que não quero que você leia, mas eu vou dormir, rezando para que, quando eu fechar os olhos, eu não enxergue seu rosto ilustrado e imaginado na minha frente. Até por que, acho que esqueci a cor dos seus olhos.